quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Era uma vez...

Quarta-feira, 30 de novembro de 2005.O tempo não está muito bom, mas o trabalho é inadiável, afinal é fim de mês e as contas estão vencendo.Uma mulher cujo nome desconheço (vou batizá-la de Maria em homenagem a mãe de Jesus ) acorda e posta-se ao lado da cama para mais um dia de trabalho.Olha ao redor e já vê a cama vazia pois seu companheiro, como tantos outros, levantou-se cedo afim de arrumar mais um bico no auxílio aos pagamentos do mês.
Vitória, seu pequeno bebe de apenas 2 anos, dorme profundamente ao lado da cama, num colchão já muito castigado pelo tempo e pelo uso.Sem acordá-la, põe seu melhor vestido na criança e segue rumo ao chuveiro de àgua fria ( umas das contas atrasadas é exatamente a da Light ).
De repente lembra que a patroa deve-lhe pagar a 1º parcela do 13º. Salário e começa a fazer planos para esse suado dinheirinho.Talvez uma roupinha nova para Vitória usar no Natal, um brinquedinho a ser comprado na barraca do camelo Lúcio ( que fica na frente do bar do José ), ou mesmo a entrada da geladeira nova que ela tanto sonha um dia ter em sua casa de alvenaria ( sim, pois as demais prestaçoes ela não tem certeza que conseguirá pagar ).
Alegre por esse fato, ela pega a pequena Vitória no colo e segue rumo ao ponto de ônibus já atrasada.Para variar o onibus está lotado, mas gentilmente um garoto cede seu lugar e Maria pode sentar-se confortavelmente.Durante a viagem até o subúrbio, Maria vai sonhando e pensando.Sonha um dia poder dar a filha um futuro digno, sonha aliás com seu próprio futuro vislumbrando quem sabe ter sua própria casa em um local mais digno, pois onde vive atualmente não lhe permite enxergar isso.Pasmem, pensa até no dia que Raimundo, seu companheiro, interromperá sua carreira de bebedor anônimo e frequentrará a igreja que ela tanto adora.Aliás, ela acaba de lembrar que o pastor cobrou sua contribuição já muito atrasada.Será que ela terá que adiar a compra do vestido do nenê ou suspenderá a compra da geladeira ? Ah, depois eu decido isso, pensou ela certamente.
O ônibus breca, os passageiros reclamam do motorista e no meio de tanta confusão escuta-se uma explosão.Uma não, duas explosões ! Inicia-se um tumulto generalizado, vidros são quebrados, todos correm para algum lado, a pequena Vitória, assustada, grita, chora não entendendo o que está acontecendo ao seu redor.Maria a protege e busca de todas as formas sair com a filha do ônibus, mas o tumulto aumenta com o aparecimento do fogo.Maria, como a mãe de Jesus, procura dar guarida a filha, mas é tarde demais, pois ela sente o ardor das chamas.É o fim ! Fim de um sonho, fim de não apenas uma vida, é o fim de tudo.Maria, a doce mãe que em um momento pensou no futuro da sua filha, agora não existe mais, morreu carbonizada.A pequena Vitória que um dia poderia ser médica, advogada, doméstica ou qualquer outra profissão teve sua vida ceifada por dois bandidos que cismaram em queimar o ônibus em que viajava com sua mãezinha.
Fico pensando : que mundo é esse que nos obriga a conviver com esse tipo de pessoas ? Que pessoas são essas, que acima do bem e do mal, dispõem da vida dos outros como bem entendem, pois se mata por nada hoje em dia.
O que sei é que infelizmente não conhecerei Maria, Vitória, Claudecir, Joana de Deus e Sebastiana.Cinco vítimas da violencia cotidiana que tão próxima tem estado de nós.Que Deus permita a essas pessoas ficarem a seu lado e a nós resta apenas rezar e torcer para que mais Vitória’s possam crescer, estudar e assim sair desse ciclo terrível que a vida as impõe.Amém !

Em tempo : o fato é verídico, mas aconteceram na noite do dia 29, nov.A mãe chamava-se Vânia e o pai, também ferido, não se sabe o nome.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muitas vezes tento entender o que leva uma pessoa a agir dessa maneira...a pensar e o pior de tudo acreditar que pode fazer o que quiser e se manter impune a tudo isso...

Tbm não entendo o que acontece com a humanidade hoje em dia...mata se por nada...
E quem nos defende? E quem estava lá para defender as pessoas no ônibus???
Infelizmente estamos diariamente expostos à essas situações e sem ninguém por nós...

Parabéns pelo Texto!

Bjs

Anônimo disse...

Bem-vindo ao cotidiano de uma cidade grande. Triste dentro do microscópico universo de uma vida ou duas, mas apenas (pequenos) números diante das estatísticas de pessoas e acontecimentos diários - e a cidade, esse universo macroscópico de pessoas e acontecimentos - não tem tempo nem saco para valores pequenos.

Unknown disse...

É a afronta ao Estado de Direito. Barbárie. Maldade pura.
E o triste é o olhar em volta e não conseguir uma pontinha de nada de esperança para se agarrar....